domingo, 14 de setembro de 2008

Da Natureza dos Deuses Paralímpicos

Deturpando Epitecto, diria que há as coisas obscenas e aquelas cuja obscenidade não depende de nós.
A Bota de Ouro, de Cristiano Ronaldo, numa jactância de televisões e aspirações de gente baixa, a viver erotismos por procuração, não depende de mim: é filha da decadência cultural de um Povo que assenta todas as suas expectativas na zona do corpo mais afastada da sede do Pensamento: os pés que arrasta pelo chão.
Os Jogos Olímpicos, que marcaram a reentrada da China no concerto das Nações de História e Bom-Gosto milenares, fizeram esquecer a miríade de lúgubres episódios da sua longa Epopeia. Infelizmente, estava longe, de cá, e de lá, mas pude ver como enviámos uma equipa de excelentes atletas, carregados com o tremendo Pessimismo Nacional, que varre este destroçado rectângulo. Muitos deles treinam com parquíssimos recursos, outros, com a boa-fé e o esforço solitário de quem vive à margem dos holofotes.
A glória da alma das Nações traduz-se nas vitórias dos atletas, cujo ânimo está estimulado. As sociedades deprimidas só trazem para casa derrotas.
São assim três níveis: o do narcisismo das estirpes de cristianos ronaldos e do povo de imbecis que os bajulam, tratando gente limitada como se de deuses se tratasse, com eles se identificando, e neles gastando milhões de coisas ocas.
A Glória é outra coisa: não são os Narcisos da barraca, nem os deprimidos atletas que não trouxeram medalhas, antes se manifesta naqueles que, à partida, limitados em pequenas parcelas do Corpo e da Alma, tentam mostrar à multidão cega a sua enorme paridade. A essa atitude chama-se Dignidade, e o seu esforço é realmente Olímpico. Reconquistam, de cada vez, e por cada acto, o seu devido lugar na vanguarda da nossa vanguarda atlética. Mais do que todos, cobriram-nos de medalhas, de medalhas de gente humana, altíssima, a quem geralmente pouca atenção conferimos, e que estranhamente crismámos de "Paralímpicos", coisa cujo significado prefiro ignorar.
Com eles, finalmente estamos de parabéns.
( Pentágono nostálgico, no "Arrebenta-SOL", no "A Sinistra Ministra", na sombra do "Democracia em Portugal", no "KLANDESTINO", e no "The Braganza Mothers" )

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